Dois dos temas mais polêmicos da atualidade são a doutrinação no sistema educacional e a dominação dos mecanismos de produção e divulgação cultural pela esquerda política, processos que vêm se desenvolvendo no Brasil e outros países ocidentais há algumas décadas. Embora haja tentativas de reação, como o movimento Escola Sem Partido, esses processos, de forma geral, continuam avançando. Uma de suas consequências mais importantes é a debilitação da capacidade de reação da sociedade ao avanço de agendas progressistas ou revolucionárias, como veremos a seguir.

Uma das faces desses processos é o ataque e debilitação de valores tradicionais da sociedade, sem que sejam substituídos por novos valores que reflitam sua evolução cultural e política. Não se trata, portanto, de refinamento de valores como consequência de evolução da sociedade ou de nosso entendimento ampliado do mundo e de nós mesmos. Tal evolução conduziria naturalmente à revisão de crenças e comportamentos, mas o que se promove é o princípio de que não é justo ou moral hierarquizar valores segundo uma visão de mundo compartilhada, o que, alegam, é discriminatório e opressivo. Todos os valores seriam essencialmente subjetivos, meros acidentes culturais, sem relação de continuidade com o passado histórico da civilização que os originou e sem relação, por tênue que seja, com verdades humanas universais ou com sua busca. O que se defende é a abolição de hierarquias de valores, não por sua imperfeição ou contradições, mas por sua indesejabilidade. Ocorre que, sem ordenamento dos valores, sem saber julgar o que é valioso e o que é prejudicial ao homem, torna-se impossível alcançar harmonia social e progresso duradouro. Escancara-se a porta para a desordem e a decadência.
Outra face é a do cerceamento do pensamento crítico, perversamente promovido nas escolas e universidades em nome de um simulacro de superioridade intelectual apresentado justamente como educação “para o pensamento crítico”. A imposição de regras e limites ao discurso político e filosófico cria amarras mentais que impedem o confronto de ideias, viciando o debate e o livre desenvolvimento intelectual. A internalização de antolhos ideológicos como a correção política (o “politicamente correto”) e a relutância em abordar temas que possam ofender suscetibilidades pessoais criam um exército de indivíduos intelectualmente atrofiados, incapazes de julgar criticamente suas próprias opiniões e, menos ainda, as de seus interlocutores. Isso resulta em dano gravíssimo, não apenas às vítimas desse processo de embrutecimento, mas à sociedade toda, que vê reduzida sua capacidade de compreender e solucionar problemas de interesse comum.
A atrofia da capacidade intelectual de largos segmentos da sociedade tem, ainda, efeitos secundários importantes, e talvez ainda mais graves, sendo o principal a intolerância que fomenta. Não é difícil imaginar algumas conclusões naturais e mesmo necessárias a que chegam aqueles que foram ensinados a pensar dessa forma. Uma é que os argumentos de seus oponentes não têm valor ou não merecem atenção, por não se conformar às normas discursivas assimiladas. Outra é que os que defendem as ideias censuradas são intelectual ou moralmente inferiores. Por fim, como corolário das anteriores — e fenômeno cada dia mais comum —, muitos concluem, para o que estimam ser o bem maior da sociedade, que seus opositores deveriam ter sua liberdade de expressão limitada e policiada pelos supostos conhecedores do que é bom e justo, ou seja, por eles mesmos.
Não obstante isso, talvez o aspecto mais pernicioso não seja o que esse processo de atrofiamento intelectual causa aos indivíduos a ele submetidos, mas a enorme vulnerabilidade estrutural que se desenvolve na sociedade. Se antes a agitação revolucionária normalmente dependia de longa e trabalhosa doutrinação de militantes por parte de núcleos intelectuais ou propriamente revolucionários, hoje começa a contar com uma massa humana automaticamente acionável por movimentos que consigam se credenciar como representantes das “causas justas”. Em outras palavras, estamos diante da redução acelerada dos custos de recrutamento de militantes e de neutralização da resistência anti-revolucionária. Em paralelo, a abrangência já alcançada por esses processos de doutrinação torna cada dia mais custosa sua reversão.
O resultado desse cenário é que próxima grande revolução não será apoiada apenas por fellow travelers — ou apoiadores passivos —, para usar o exemplo recente do comunismo soviético, mas por multidões de indivíduos incapazes fazer julgamentos próprios, muitos dos quais trabalharão inadvertidamente para suprimir a oposição “reacionária”, agindo como gendarmes involuntários da revolução.
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César, desculpe a sinceridade, mas esse blog não tem a menor chance de dar certo. Você escreve muito bem e é muito culto, mas a galera que defende o governo atualmente é obviamente lesada cognitivamente, como eram os petistas. Os caras não vão concordar com você não porque você não tenha razão, mas sim porque simplesmente não vão entender o que você escreve. Abraços!
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Luis, obrigado pelo comentário. Já fico feliz por saber que você e outros que conheço e respeito tenham lido artigos meus. Sei que não alcançarei multidões com o que venho publicando, mas há muita gente inteligente e perspicaz que poderei alcançar.
De todo modo, não vejo meus textos como defesa do governo, exceto incidentalmente, como nos artigos “Caçada ao Presidente” e “Verificando os Verificadores” (links abaixo). Mesmo nesses artigos, em que “defendo” Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro, respectivamente, meus objetivos são outros, a saber, mostrar o caráter militante da imprensa, no primeiro caso, e a parcialidade de agências de “fact checking” supostamente independentes, no segundo.
É verdade que compartilho muitos temas e posições com gente ligada ao governo, mas a coincidência é de visão de mundo, não partidária. Muitos dos temas que analiso, como o de que trata este artigo, estão ligados a problemas que emergiram muito antes que o presidente Bolsonaro fosse candidato a vereador e persistirão depois que seu governo acabar. São temas que importam a todos nós.
http://defesadoreal.com/2020/06/24/cacada-ao-presidente/
http://defesadoreal.com/2020/08/23/verificando-os-verificadores-estadao-distorce-pesquisa-para-desmentir-eduardo-bolsonaro/
Abraço,
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