Muito se fala sobre as amarras impostas ao discurso pelas demandas difusas de “correção política”, que cerceiam a liberdade de expressão no espaço público, alcançando sobretudo o segmento conservador do debate. Recentemente, no entanto, outras formas de supressão da dissidência, mais diretas e agressivas, têm sido disseminadas, como “espaços seguros” ou alegações arbitrárias de “gatilhos”.
O conceito de espaço seguro é um desdobramento da estratégia de imposição de limitações ditas politicamente corretas a quem discorda da visão de mundo da esquerda política. Se o fantasma da incorreção política busca constranger adversários pela ameaça de assédio público ou “linchamento” pelas massas histéricas, frequentemente incentivados por “intelectuais orgânicos”, a demarcação de espaços seguros e a demanda de que se respeite gatilhos auto-declarados — ou outras demandas de proteção contra “palavras que machucam” — busca recrutar hordas de militantes para que atuem em cada pequena encruzilhada da existência social, impondo a censura e subsequente supressão de opiniões dissonantes.

O politicamente correto atua de forma difusa, criando um ambiente público em que aqueles que defendem valores rejeitados pelos controladores do discurso se sintam desconfortáveis, e possivelmente vulneráveis o bastante — justamente aqueles que, por seu alcance ou visibilidade poderiam ser plataformas de divulgação de ideias concorrentes — para que terminem por se auto-censurar. A correção política como ferramenta de controle do discurso é estágio incipiente do policiamento ideológico do mercado de ideias.
Estágio mais avançado nesse caminho da servidão, os espaços seguros funcionam pelo recrutamento de indivíduos e grupos para que se tornem defensores ativos de zonas de exclusão e censura — que podem ser espaços físicos, como escolas e universidades — nas quais os divergentes são efetivamente rechaçados, muitas vezes com uso de força, sob a alegação de que a expressão de suas ideias constitui ato de violência, sendo o uso da violência para silenciá-los, portanto, justificável. Se palavras machucam, então podemos censurar, proibir e mesmo eliminar materialmente a possibilidade de expressão do discurso que nos desagrada. Nos Estados Unidos, onde esse processo está mais estabelecido, em certos campi ou unidades acadêmicas, não é mais possível expor opiniões divergentes sem enfrentar oposição organizada, como boicotes, piquetes e mesmo agressão física. O Brasil segue pela mesma trilha.
Outra forma de cerceamento pelo assédio é a alegação de gatilho, que permite a qualquer um usar de um elenco infinito de possibilidades de se sentir ofendido. Um indivíduo que alega ser vítima de gatilho avoca para si a autoridade para censurar outro indivíduo que tenha dito qualquer coisa, sobre qualquer assunto, que possa ter levantado sentimentos que o primeiro julga desagradáveis. A alegada ofensa não precisa ser dirigida ao ofendido e não precisa dizer nada a seu respeito. Nem mesmo é preciso que o enunciador tenha conhecimento prévio da existência do ofendido. Qualquer enunciado pode gerar uma alegação de gatilho, que atrairá justiceiros sociais e sinalizadores de virtude para a defesa da “vítima”. Alegações de gatilho são particularmente comuns entre grupos que promovem espaços seguros, sendo usadas para justificá-los.
Esse cenário avança sempre rumo a maior restrição da liberdade de expressão. Da demanda por auto-policiamento e auto-censura passamos à exigência de respeito a limites arbitrários ao discurso e ao engajamento no debate público. Opiniões são censuradas, sua expressão punida. Chegará o dia em que a mera suspeita de que alguém tenha opiniões condenadas pelos controladores do discurso o sujeitará à supressão de sua participação no debate público.
O uso desses mecanismos de controle do discurso não seria possível uma ou duas gerações atrás, e só se tornou viável após longo processo de infantilização e fragilização de largos segmentos da sociedade ocidental, causadas, em parte, pela adoção de programas pedagógicos apoiados na ideia de uma educação sentimentalizada, promovida por professores e intelectuais que buscam em primeiro lugar adestrar as crianças para que se tornem ativistas das “boas causas,” que são, coincidentemente, as mesmas que esses professores e intelectuais esposam.
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É isso aí. Perfeito.
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