A publicação do Indicador de Alfabetismo Funcional de 2024 (Inaf) revela o que já sabíamos: boa parte dos brasileiros, mesmo entre aqueles com maior educação formal, é analfabeta funcional. Os números são escandalosos. Neste vídeo, apoiado em quase duas décadas de experiência com falantes estrangeiros de português, apresento algumas reflexões sobre o real significado do que é ser analfabeto funcional e como isso é um problema muito mais grave do que apenas não dominar o português ou qualquer outro conteúdo acadêmico específico.
Transcrição feita por IA:
Oi, pessoal. Nesses dias foi publicada a pesquisa INAF sobre analfabetismo funcional no Brasil. Sem surpresa alguma, os índices são horríveis. A gente tem pessoas que são analfabetas funcionais, de diferentes níveis de competência, em todos os extratos sociais. Inclusive, pessoas que saem da universidade e que não são plenamente alfabetizadas no sentido de capacitadas a compreender os textos que leem ou a matemática que aplicam ou coisas assim. Eu não vou tratar dos números, porque qualquer um pode pesquisar isso com facilidade na internet e olhar os dados. Mas eu queria trazer a minha experiência pessoal e algumas reflexões sobre isso.
Eu passei os últimos 18 anos, a maior parte deles, morando no exterior, em diferentes países e lidando com falantes estrangeiros de português. E isso me fez perceber, não agora com esses dados novos, mas já há algum tempo, que o problema não é só um problema de aprendizagem. Muita gente pensa que esses dados refletem apenas uma dificuldade de compreender o português, de escrever corretamente. E não é isso, é muito pior do que isso. Porque imagine que você tem deficiência em gramática, ou você tem deficiência em qualquer outro conteúdo acadêmico. Você pode estudar um pouco mais e estudando mais você vai melhorando. Algumas pessoas podem se aprimorar com mais facilidade, outras com mais dificuldade, mas se você continuar trabalhando, continuar estudando, você sempre vai melhorar.
E quando você vê falantes estrangeiros de português, eles dificilmente vão falar português como um brasileiro ou como um português europeu, tão perfeitamente. Assim como um brasileiro dificilmente vai falar inglês americano perfeitamente. Mesmo que eles conheçam muito bem a língua. Porque existem outras dificuldades que não são dificuldades intelectuais, mas dificuldades de articulação dos sons, das palavras, problemas mecânicos no corpo, no organismo, que depois de uma certa idade a maior parte das pessoas tem dificuldade de realmente adquirir a capacidade de produzir novos sons. Então eu quero apontar isso para que a gente deixe isso de lado. Não é um problema de sotaque, de falar português perfeito ou inglês perfeito. É um problema de compreensão que pode ser aprendida, compreensão da língua.
Então você vê um estrangeiro que trabalha, por exemplo, em uma das nossas embaixadas, que conhece o português pior do que um brasileiro universitário que cai nessa categoria de analfabeto funcional. Ele conhece menos gramática, ele conhece menos palavras, ele tem menos experiência com a língua, ele não cresceu naquela cultura. No entanto, você dá um texto para ele, na maior parte dos casos, pessoas bem educadas nos seus países, e com esse conhecimento menor, mais limitado da língua portuguesa, ele entende o texto. E ele, com esse conhecimento limitado da língua portuguesa, muitas vezes é capaz de escrever um texto que você pode entender, que transmite a mensagem.
E quando a gente fala em analfabeto funcional no Brasil, a gente pensa no sujeito que até escreve corretamente ou razoavelmente bem, mas você não entende o que ele disse naquele texto. Ou você dá um texto para ele e ele não consegue entender o sentido daquele texto. É um problema de interpretação ou de expressão. E esse problema não pode ser resolvido, depois de uma certa idade, de uma certa persistência do déficit de aprendizagem, esse problema não pode ser resolvido simplesmente por mais estudo de português ou de qualquer outro assunto. Porque não se trata de um problema de capacidade de compreensão da linguagem, mas é um problema de lógica, é um problema de desenvolvimento intelectual insuficiente. E isso é o acúmulo, é resultado do acúmulo de vários anos de educação ineficiente, de um ambiente cultural e familiar não facilitador da aprendizagem.
Colocando de outra forma, um sujeito que é intelectualmente desenvolvido, não estou falando de Einsteins ou de intelectuais, escritores de livros de sucesso, não é disso, um sujeito que é intelectualmente desenvolvido, que ele conseguiu alcançar um nível pleno de capacidade intelectual média para uma pessoa média na sua idade, na sua faixa social de escolaridade. Esse indivíduo, ao aprender uma nova língua suficientemente bem, ele écapaz de se expressar naquela língua, com limitações, não tem todo o vocabulário, como eu já disse. Então ele pode usar uma linguagem mais simples, mas ele sabe o que está dizendo. E quando ele lê um texto, se não for um texto muito complexo, Shakespeare, por exemplo, ou Machado de Assis, ou Guimarães Rosa, que é incompreensível até para brasileiros, ele vai conseguir compreender o sentido daquele texto.
O problema que a gente tem no Brasil é que, por mais que você faça a pessoa, a partir de uma certa idade, continuar estudando português ou outros conteúdos, ele não consegue alcançar um nível intelectual de compreensão daqueles textos e conteúdos. Porque o desenvolvimento intelectual desse indivíduo ficou amarrado, ele ficou defasado permanentemente. Porque desde o início, ele foi educado, ele foi desenvolvido, ele foi raised, ele foi lapidado de uma forma precária, incompleta, que não o capacitou para um desenvolvimento de suas qualidades, de suas capacidades de raciocínio lógico, de interpretação, de associação de elementos, de fazer analogias.
Então, não adianta apenas a gente pensar nisso de uma perspectiva da insuficiência dos conteúdos acadêmicos específicos. Isso é um problema cuja solução depende de uma revisão completa de todo o processo. A gente tem que cuidar das nossas crianças e dos nossos jovens com mais atenção desde o início. Depois que o sujeito tem 18 anos, 20 anos, 25 anos e saiu da faculdade e ele não consegue entender um texto com clareza, não adianta botar ele para estudar mais português. Se ele não consegue compreender um nível mínimo de competência, os assuntos que ele estudou na faculdade, não adianta tentar convencer esse sujeito a estudar mais para se sofisticar, ele não vai conseguir. Porque ele passou todo o seu processo de desenvolvimento intelectual, de desenvolvimento cerebral sendo subutilizado, subeducados, subtrabalhado. O problema é permanente.
Essa geração toda, não as gerações inteiras, mas todas as pessoas dessas gerações passadas que chegaram à vida adulta sem alcançar um nível de desenvolvimento intelectual nesse sentido das suas capacidades gerais, sem alcançar um nível suficiente, eles têm um handicap, têm uma defasagem para sempre. O custo de esforço para que esses caras se aprimorem, compreendam melhor o português por meio do estudo do português, por exemplo, é enorme. É muito menor o esforço de aprimoramento do sujeito que tem um desenvolvimento intelectual pleno, avançado, mais completo e complexo.
Então, eu acho que a gente tem um problema gravíssimo no Brasil que não é só o que a gente vê na ponta. É um problema que alcança todo o espectro da vida dos indivíduos, desde o seu ingresso na escola ou na pré-escola, até o seu ambiente familiar, até o ambiente cultural, o que a gente vê na imprensa, nas artes, a coisa toda. É tudo um conjunto de fatores que leva a maior parte dos indivíduos, exceto aqueles que têm muita sorte de ser excepcionais individualmente ou que têm a sorte de nascer num ambiente familiar, econômico, favorável.
No meu caso, por exemplo, eu sempre tive acesso a escolas boas, a tudo que eu podia comprar livros, podia fazer cursos, podia fazer tudo. Eu tive muita atenção. A maior parte das pessoas não tem essa atenção. Enquanto a gente não conseguir resolver esse problema de dar uma maior atenção aos jovens, a gente vai ter um peso permanente na sociedade que vai atrasar nosso desenvolvimento econômico e social.
E eu dei um foco aqui no pessoal de nível superior porque é absurdo que a pessoa saia da faculdade e não consiga entender um texto. Mas nós temos muitos casos. O estudo diz aqui que de 18 a 64 anos, um terço das pessoas, ou 30% das pessoas, são analfabetos funcionais no total do Brasil. Isso é um absurdo. Mas o problema é muito mais grave em estratos mais baixos, pessoas que nem alcançaram a universidade. Fica aí para a gente refletir
Sobre isso. Espero que minhas reflexões tenham sido úteis, tenham contribuído para ajudar vocês também a pensar sobre o problema. O que eu
tenho contribuído para ajudar vocês também a pensar sobre o problema. É um problema muito grave que afeta todo mundo. Afeta até quem conseguiu ter uma boa educação e um bom desenvolvimento intelectual, porque a sociedade como um todo fica mais acanhada, limitada em seu potencial de desenvolvimento.
É isso, um abraço e até breve.
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