A segunda falácia está em não levar em conta a degradação das previsões conforme o período projetado se alonga. Nós não percebemos a extensão completa da diferença entre os futuros próximo e distante.
Nassim Taleb, The Black Swann*
Em seus livros e entrevistas, Nassim Taleb costuma repetir que economistas são essencialmente indistintos em sua capacidade de prever eventos e que, como muitos especialistas, não chegam a melhores previsões do que motoristas de táxi. De fato, nenhum economista parece ser capaz de enxergar qualquer coisa com clareza no longo prazo, exceto que estaremos todos mortos.
Isso não equivale a dizer que economistas não devam ser ouvidos. Embora tenham pouca capacidade produzir previsões que se concretizem em prazos mais largos (claro que, havendo tantos economistas fazendo projeções, algumas delas se aproximarão do que realmente vier a ocorrer), isso não significa que decisões sobre assuntos relevantes, como negócios, finanças e políticas públicas, devam ser feitas sem consultá-los. Formuladores e executores de políticas públicas, por exemplo, sejam eles tecnocratas perenes ou representantes eleitos, não podem tomar decisões com base apenas em seu próprio instinto ou na extrapolação de suas experiências pessoais.

Se uma decisão não pode ser tomada com grau significativo de confiança sobre suas consequências de longo prazo, tampouco se pode decidir sem qualquer parâmetro. O dilema, portanto, não está em usar ou não previsões de economistas na formulação de políticas públicas, mas em encontrar o ponto no futuro em que o custo/risco associado ao grau de incerteza da previsão supera o custo/risco de decidir sem informação: ponto em que a projeção oferecida deixa de ser útil como aprimoramento da decisão e se torna potencialmente deletéria. No caso de previsões econômicas complexas, esse ponto é frequentemente próximo do presente; quando se trata de problemas de muito baixa complexidade, encontra-se até o horizonte de médio alcance.
Assim, é necessário e seguro que o tecnocrata, o legislador, o governante sejam informados de que expansão monetária mais rápida do que o crescimento econômico deve gerar inflação, mas tem pouco ou nenhum valor a projeção de que X% de aumento do gasto anual com educação resultará em aumento de Y% no produto bruto daqui a Z anos. Em outras palavras, projeções de primeira ordem e curto prazo podem ser razoavelmente confiáveis, mas projeções complexas de longo prazo, não.
Nesse cenário, deveríamos pensar na ciência econômica como constituída de dois aspectos de conhecimento e aplicação, o histórico e o prudencial. Em seu aspecto histórico — o lado empírico do estudo da economia —, a ciência econômica baseia-se na análise de fatos econômicos e sociais concretos, em sua interpretação, e na ordenação desses fatos para a criação de modelos para previsão de resultados futuros de ações presentes. Compreender para modelar para prescrever. É nessa transição entre a interpretação do concreto para a descrição do hipotético que emerge seu segundo aspecto, que é voltado para o futuro, para a formulação de proposições do tipo “se isso, então aquilo”.
Ocorre que a interpretação de fenômenos pregressos é de complexidade incomparavelmente menor do que a projeção de consequências futuras do presente. Ainda, a seleção de recortes do passado para explicação do presente — ou de fenômenos passados subsequentes — pode facilmente levar o observador à ilusão de que esclareceu as relações causais entre as diversas situações temporais, quando outros recortes teriam levado a outras explicações igualmente plausíveis. A investigação do futuro de longo prazo, por sua vez, não se presta a esse tipo exercício — ou de ilusão. A economia como ferramenta de planejamento de longo prazo é, para dizer o mínimo, muito frágil.
Esse cenário leva a concluir que a economia como ferramenta para descrição — ou organização, digamos — do futuro tem apenas uma fração da confiabilidade que oferece na interpretação do passado. Assim, a ciência econômica encontraria seu principal valor como instrumento de depuração da experiência, dos erros e acertos históricos, mas seu papel como ferramenta de organização do futuro deveria manter-se o quanto possível no escopo das prescrições negativas, como ciência daquilo que não se deve fazer. A economia, sob essa ótica, deveria ser compreendida como uma ciência precaucionária, jamais como ciência prescritiva.
* “The second fallacy lies in failing to take into account forecast degradation as the projected period lengthens. We do not realize the full extent of the difference between near and far futures.” —Taleb, Nassim Nicholas. The Black Swan: Second Edition: The Impact of the Highly Improbable (Incerto) . Random House Publishing Group.
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