O argumento correto em favor das privatizações nada tem a ver com o lucro ou prejuízo das empresas estatais. Esse é um argumento fácil, mas errado. A razão para vender estatais é simplesmente porque são estatais. Trata-se de um problema de eficiência geral do uso de recursos econômicos.
Em quase todas as manifestações em favor de privatizações, agora e sempre, o argumento central costuma ser o de que as empresas estatais dão prejuízo para o governo e a sociedade. Há razões para priorizar esse argumento: a ideia é simples, pode ser compreendida por todo mundo, e é muito comum que empresas estatais apresentem prejuízo. A principal razão para privatizar empresas estatais, no entanto, não é essa.

Toda empresa, grande ou pequena, estatal ou privada (ou, de outra perspectiva, todo controlador de empresas, do Zé das Couves ao Jeff Bezos) é responsável por decisões sobre alocação de recursos econômicos, que são, em última instância, recursos da sociedade, mesmo que sob controle integralmente privado. A qualidade dessa alocação de recursos tem influência determinante na eficiência microeconômica (do uso desses recursos) e, em escala nacional, é um dos componentes mais significativos no nível geral de eficiência econômica da sociedade.
Mesmo empresas estatais lucrativas (em boa parte dos casos, beneficiárias de monopólios ou reservas de mercado) alocarão recursos de forma menos eficiente do que se estivessem sob administração privada. Essa é a razão para o prejuízo que frequentemente apresentam, mas não é o prejuízo em si a razão para privatizá-las. Estatais causam empobrecimento relativo da sociedade em sua totalidade.
Esse argumento provavelmente é incompreensível para a maior parte do público. Por isso a ênfase no argumento sobre lucro e prejuízo, que, além de errado, revela-se incoerente com a defesa da venda de estatais que não estão no vermelho.
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Cesar, você apontou que a forma com que estatais alocam recursos é menos eficiente do que se estivessem sob administração privada, mas qual seria o motivo deste fato? Falta de perfil e capacitação dos altos cargos? Corrupção? Questões políticas?
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Cara Luana,
Vejo vários fatores que levam a uma alocação de recursos menos eficiente em estatais. A corrupção, que você menciona, é um deles. Além do problema do desvio de recursos, a corrupção interfere nas decisões dos gestores, que passam a favorecer este ou aquele curso de ação, de modo a priorizar seus interesses pessoais corruptos. As decisões deixam de ser tomadas com base em eficiência e resultados, passando a ser feitas com base em comissões e favorecimentos. Pense nas decisões tomadas numa estatal, por exemplo, em que vigore uma “comissão” de 3% sobre todos os negócios aprovados.
Dito isso, mesmo sem corrupção, as estatais serão intrinsecamente menos eficientes também porque seus objetivos empresariais/econômicos são influenciados — quando não completamente subordinados — a objetivos sociais, políticos, ideológicos, etc. Só o fato de que uma empresa estatal pode esperar ser “socorrida” pela União já pode tornar os gestores e funcionários menos exigentes quanto a eficiência e resultados. Elas são também mais suscetíveis a pressões sindicais e políticas que influenciam decisões de negócios. Em casos mais graves, são diretamente utilizadas por governos para a promoção de objetivos políticos, como controle artificial de preços ou subsídio a grupos sociais ou a segmentos da indústria/mercado.
Outro problema grave, que afeta não apenas estatais, mas também o serviço público e o setor governamental na totalidade, é o dos estímulos e recompensas que levam ao sucesso profissional nas carreiras correspondentes. A ascensão profissional é em grande medida influenciada por qualidades que não necessariamente correspondem a competência gerencial ou administrativa, mas por outros critérios que enfatizam muitas vezes a manifestação de boas intenções e o comprometimento com o fortalecimento do próprio sistema, em desconsideração ou mesmo em detrimento de resultados práticos. Em vários órgãos isso pode não ser completamente nocivo ou mesmo, em certa medida, desejável, visto que seus objetivos não são primordialmente econômicos (por exemplo, o ministério em que trabalho ou as Forças Armadas). Mas em empresas estatais dedicadas a atividades industriais ou ao fornecimento de produtos e serviços é fonte inesgotável de ineficiência e desperdícios.
Esses são apenas alguns dos pontos centrais, a meu ver. Outros poderão acrescentar elementos a essa discussão.
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