Recentemente, foi criado no Twitter um perfil anônimo chamado Sleeping Giants Brasil. O criador da conta inspirou-se em outro perfil, também chamado Sleeping Giants —originalmente anônimo e depois desmascarado—, que tem como slogan “tornar a intolerância e o sexismo menos lucrativos”. Como o original, o imitador brasileiro tem claro viés de esquerda na escolha de seus alvos. Diferentemente do original, no entanto, a cópia inicialmente concentrou seus esforços no suposto combate a fake news. O método adotado por ambos os “gigantes” é o mesmo: “denunciar” os sites designados como alvos a seus anunciantes. Embora apenas os alvos sejam ostensivamente denunciados, os anunciantes também são expostos e, dessa forma, submetidos a chantagem. O primeiro alvo do organizador brasileiro foi o Jornal da Cidade Online, cujo crime seria propagar desinformação (e apoiar o governo?). Inúmeras capturas de tela mostrando anúncios no site do jornal assediado foram publicadas no Twitter e os anunciantes marcados nas postagens, com mensagens instando-os a remover seus anúncios.
Acredito, por princípio, que qualquer um deve ter o direito de criar uma conta no Twitter e publicar o que quiser, inclusive pedidos a empresas para que deixem de anunciar em outras empresas, como é o caso. Acredito também que o direito de liberdade de expressão deve ser amplamente protegido, inclusive o direito de pedir a seus seguidores que deixem de apoiar este ou aquele produto, pessoa ou ideia. Esta opinião é ela mesma uma ideia a que muitos se opõem.

O problema é que, com estratégia adotada pelo militante anônimo e nas circunstâncias sociais prevalecentes, nem todos os envolvidos podem agir com liberdade. O acusador tem liberdade de acusar seus adversários e dar instruções a seus seguidores, e estes têm liberdade de segui-las ou rejeitá-las. Mas a liberdade que os anunciantes chantageados têm para decidir o que fazer é limitada. Isso ocorre porque para o anunciante os custos de cada alternativa são assimétricos, favorecendo a pronta deferência à intimidação, independentemente da justiça da acusação.
Como essa assimetria funciona? É simples. O movimento militante, ao ameaçar atacar publica e persistentemente uma empresa anunciante (observe que a empresa que sofre o ataque não é o adversário real ou “alvo”, mas a empresa que anuncia no site do alvo e que, portanto, contribui para sua monetização), mostra-se capaz de gerar impacto negativo sobre seu faturamento e causar danos a sua imagem, ao insinuar que ela endossa o comportamento imputado (com ou sem justiça) ao verdadeiro alvo. Essa situação é assimétrica porque, embora a maioria dos clientes da empresa anunciante não sejam membros do movimento ativista, tendem a ser indiferentes a que o site alvo seja penalizado. Que nos importa, pensam eles, se vão deixar de anunciar onde quer que seja? Assim, o risco potencial da resistência é muito maior do que o da submissão. É simplesmente mais barato ceder. Bastam poucos para impor sua vontade, quando a maioria é indiferente.
Não é difícil imaginar que o que esses militantes realmente desejam é o fechamento dos sites que escolhem como alvos, mas como não podem simplesmente mandar fechá-los, chantageiam seus anunciantes e os mantém como reféns, para tentar inviabilizar financeiramente os verdadeiros adversários. Desmonetização é o nome do jogo. Medo é o nome da arma.

Também digno de nota é o entusiasmo imediato com que a iniciativa foi celebrada pela grande mídia e até por instituições como a OAB, que deveria zelar por julgamentos justos e imparciais. O endosso veio rápido e sem ressalvas. Pouco mais de uma semana após a criação do perfil, o responsável pelo Sleeping Giants Brasil foi entrevistado pela Veja, a revista de maior circulação no país. E a revista publicou a seguinte manchete no Twitter: “‘Governo dissemina ódio com dinheiro público’, diz Sleeping Giants Brasil”.
Muito bem, quase ninguém no Brasil sabe quem são esses “sleeping giants”, mas todos sabem o que é a revista Veja. E se um sujeito qualquer criasse um perfil anônimo chamado “O Dono da Verdade”? E se O Dono da Verdade acusasse a Veja de disseminar ódio? E se, em seguida, o Jornal da Cidade Online publicasse a manchete “‘A Veja dissemina ódio’, diz O Dono da Verdade”? Talvez não se possa afirmar que se trata de fake news, pois tanto a Veja como o Jornal da Cidade Online publicaram o que o Sleeping Giants Brasil e O Dono da Verdade disseram. Mas é algo, no mínimo, muito tendencioso.
E o que dizer deste “tweet” do presidente da OAB, em que conclamou seus seguidores a apoiar a uma iniciativa que, guardas as medidas, promove linchamentos públicos, embora “virtuais”, motivados por denúncias anônimas julgadas por massas de militantes. Não é a mob rule o fim dessa estrada?
“Conheçam e participem dessa iniciativa brilhante de combate a fake news, secando a fonte de financiamento. Sigam o perfil e ajudem a alertar as empresas que financiam sites de mentiras, ódio, preconceito e desinformação, na maioria das vezes sem saber: https://twitter.com/slpng_giants_pt”
@felipeoabrj

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Nos EUA essa tendência já está bem mais avançada. Recentemente, o Tucker Carlson, que tem uma audiência de TV colossal, perdeu anunciantes por causa de campanha de grupos de esquerda.
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Qual é o o problema do Sleeping Giant militar para a esquerda se você, que tem um blog pretensiosamente chamado “Defesa do Real” (expressão equivalente a Dono da Verdade) milita para a direita? Faz sua militância aí e deixa os outros militarem em paz. Boicote é uma das formas mais antigas e tradicionais de militância. Desmonetizacao é só um eufemismo pomposo pra algo que já existe há muitos séculos.
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Caro Jorge,
Boicote é você movimentar seus militantes para deixar de comprar a marca que você quer atacar. Quando você expõe terceiros para os constranger a boicotar a marca, o que você está fazendo é assédio, não boicote. Você os assedia para que eles boicotem a marca.
Quanto ao nome do blog, a expressão “defesa do real” tem para mim um sentido diferente daquele que você viu. Volte outras vezes, leia o que publicarei adiante. Talvez o que tenho em mente se torne mais claro.
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