Crônicas

Os Carregadores de Bagagem

Numa padaria comum do bairro, pedi um sanduíche de peito de peru com ovo e queijo. Havia outras combinações no cardápio, mas não exatamente a que eu queria: peru, ovo e queijo. Em outros lugares, isso poderia ser um impedimento à realização do meu desejo, mas não ali. Um dos benefícios que uma padaria comum normalmente oferece é este, o de poder montar um sanduíche do jeito que você gosta. Se quiser pedir do cardápio, sem problemas: sempre há pão com mortadela, misto quente, beirute e outras receitas populares.

Uma mochila vazia
Uma mochila vazia vale um post no Instagram? Photo by Luis Quintero on Pexels.com

Eu poderia ter ido a outra padaria, uma padaria boutique, daquelas que ostentam nome francês e garçons uniformizados. Poderia ter escolhido um estabelecimento com decoração de designer, frequentado pela gente bonita do bairro. Talvez até visse algum famoso ou fosse avistado por um conhecido, que se perguntaria se também sou habitual do lugar. Eu poderia ter tido tudo isso, mas a coca-cola não estaria mais gelada do que a que bebi na padaria comum e dificilmente eu poderia ter pedido um sanduíche que não estava listado no cardápio. Cui bono? Para mim, não serve, não encontro benefício.

Quando vejo gente pagando caro para não escolher seu sanduíche ou fazendo fila para para sentar-se em mesas de tamanho parisiense onde o aluguel do terraço inteiro não vale um metro quadrado em Paris, quando vejo isso, sinto uma tênue irmandade com hippies e bichos-grilos. Embora entenda os mecanismos de mercado e como atendem tão bem às paixões humanas, não consigo afastar uma sensação de perda e inutilidade, de desperdício de recursos, de mau uso de nosso escasso tempo na Terra.

Referi essas impressões a um amigo sensato, que observou que estabelecimentos como essas padarias boutique, “acompanhadas de decoração presunçosa”, ou cervejarias artesanais frequentadas por gente bonita que não costuma beber cerveja, sugerem que essas pessoas buscam transformar atividades corriqueiras em “experiências”, no sentido em que o são um salto de pára-quedas ou uma viagem ao sudeste asiático, algo que você acumula a sua “bagagem de experiências”. Assenti imediatamente e tomei nota dos comentários. É isso. É o trivial tornado supremo, o corriqueiro vestido de requinte. Para muita gente, o que importa não é o sanduíche ou a cerveja, mas a foto no Instagram e a oportunidade de contar suas estórias para outros carregadores de bagagem.

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